No Medium eu tinha uma publicação chamada Diário da viagem pra dentro, criada para escrever a parte subjetiva da viagem pela América Central que acabou virando um blog. É meio isso que é essa edição da newsletter: um post de blog sobre uma viagem. Faz tempo que não paro para escrever e me deu ausência.
Faz tempo que não paro pra escrever porque não tinha nada pra escrever sobre (ainda não sei se tenho). Tô de férias e passei doze dias dedicada quase que exclusivamente a surfar. Porém foi uma road trip, a gente saiu de Salvador com o objetivo final de chegar em Natal, pra visitar minha mãe. Então foi bastante tempo de estrada e o máximo que ficamos em um lugar foi três dias. Agora estamos voltando pra Bahia. Acabamos de chegar em Teotônio Vilela, uma cidadezinha em Alagoas, na beira da estrada. Vamos passar a noite aqui e voltar pra estrada amanhã cedo. Olha a pista de skate que tem aqui na frente do quarto do hotel:
São seis estados entre Bahia e Rio Grande do Norte. Não tinha fogo no percurso e a fumaça das queimadas na Amazônia e Centro-Oeste não está chegando no nordeste. Se eu tivesse conseguido ficar fora das redes sociais e sem ler notícias, talvez eu pudesse ter passado esses dias na quase completa ignorância sobre a gravidade do que tá acontecendo.
Quem acompanha meu feed no Instagram vai ver que tenho um certo sucesso em ser alienada. No entanto tenho raiva e tenho angústia e, sendo bem honesta, me sinto um pouco culpada em viver no hedonismo enquanto a planeta que é minha casa/meu corpo queima. Eu disse que não ia falar sobre o assunto mas acabei repostando alguns conteúdos. Porém eu fujo de certas coisas. Tem um vídeo circulando que mostra uma floresta queimando na beira de um rio — não quero ver. Não consigo, não aguento, não quero ver. Como escrevi no texto anterior, eu não tenho esperança nenhuma, mas como acho que a desesperança é um des-serviço, é melhor eu ficar calada. Não tenho nada útil para dizer. Nada do que eu diga vai mudar alguma coisa ou ajudar alguém (e acho que nada do que eu faça também. Então eu sigo surfando).
Fazia um tempão que não tirava tanto tempo de férias: três semanas. Essa não foi uma viagem pensada, não foi uma viagem planejada, não foi uma viagem turística. Simplesmente calhou de eu estar morando em Salvador e minha mãe estar morando em Natal e de eu estar namorando alguém que pode pegar uma estrada, e aí eu precisava tirar férias e tava com saudade da mãe e por que não ir conhecer as ondas nordestinas? Coisa que nunca havia cogitado antes, mas também, nunca tinha pensado em várias coisas, como: que moraria no nordeste, que seria surfista de novo, que teria um namorado surfista e fotógrafo que pode sair por aí viajando.
Inclusive, teria sido muito trabalhoso ter feito essa viagem sozinha. Talvez eu não tivesse feito. Já muito viajei sozinha, mas ando cansada. Estar o tempo inteiro atenta, prestando atenção, de olho em tudo. Nesse caso, uma mulher sozinha pelas estradas do nordeste. E chegar sozinha nos picos de surf. Essa parte não chega a ser perigosa, porém é trabalhosa e chata. Primeiro ter que descobrir onde tem onda. Depois, as condições de surf: maré, ventos, correntes. E por fim entrar no mar e conseguir pegar uma onda no meio do macharedo. Com um namorado surfista — e extrovertido, falador, carismático — é meio caminho andado. Além disso é um namorado que acredita nos papéis tradicionais de gênero. Então ele dirige o carro e carrega as malas. Contanto que não queira que EU me encaixe nos papéis tradicionais de gênero, pra mim funciona.
Esse negócio de ter como objetivo pegar onda e passar correndo pelas estradas — de frente para o mar, de costas pro Brasil — causa uma falta de atenção aos lugares que acho ruim. Eu não observei direito muita coisa. Agora mesmo, estou em uma cidade bem pequena, no interior de Alagoas, e talvez eu devesse estar tentando conhecer algo do chamado Brasil profundo; mas eu tenho um pouco de medo do que poderia encontrar. Por exemplo, gatos e cachorros largados pelas ruas magros e doentes. Coisa que tem muito. E que não adianta eu tentar fugir, não tem como não ver. Mas eu não quero ver. Eu não gosto de sofrer, gente. Não tem muito que eu possa fazer pelos bichinhos que encontro nas viagens. Já muito tentei (e já muito sofri).
Mas conheci uma cidadezinha que pra mim foi uma surpresa. Muito pequena e muito "de interior". Foi surpresa pois eu esperava um lugar mais turístico, afinal, litoral — a apenas 60 quilômetros dali está a super turística Praia da Pipa — e não tem mais muitos lugares no litoral que não estejam explodindo de turismo. Baía Formosa é, ainda por cima, a cidade de Ítalo Ferreira, um dos surfistas profissionais brasileiros de maior sucesso atualmente, campeão olímpico em 2020. Mas continua sendo uma cidade de interior. O mercado fecha às 18:30, os cavalos andam soltos pelas ruas, as pessoas conversam em cadeiras nas frentes das casas. E as crianças surfam de manhã bem cedo, antes de irem pra aula :) Eu amei. O Pontal parece uma máquina de ondas. Umas direitas que abrem compridas, no mesmo lugar. Perfeito pra treinar. Não espanta que tenha gestado um campeão mundial e outros surfistas talentosos (como Fábio Gouveia, que é da minha geração e hoje vive no sul).
Acho que é isso por hoje. As florestas tão pegando fogo e tudo que é vida tá morrendo. Uns homens que já nasceram mortos são os responsáveis e sempre saem incólumes e um dia vão migrar pra Marte em seus foguetes espaciais movidos a agrotóxico. Eu tô tentando não ver e não falar sobre. Podem me chamar de avestruz. Tem uma angústia profunda dentro de mim que eu tô tentando ignorar. Me julguem.
Temos um post de blog sobre uma viagem?
Então sou avestruz também. A angústia e desesperança têm me impedido de estar tão antenada com as desgraças em curso.
Eu me alheio também em relação a algumas notícias que surgem por aí. Me dói muito ter que encarar os detalhes de certas situações, por isso prefiro me abster. Estar fora das redes sociais ajudou bastante.
O litoral do nordeste é lindo demais, né? Passar por todos os estados de carro é uma super viagem, tem cada praia linda no caminho até lá em cima, né?
Um beijo!!!