Quando uma gostosa vira uma velha
A menopausa pode ser uma boa notícia para as hetero-relutantes
A menopausa marca o final da vida reprodutiva, mas costumamos associá-la também ao fim da mulher como um ser sexual. Em determinado momento, a sociedade para de ver uma mulher como capaz de despertar desejo: é então que uma "gostosa" vira uma "velha".
Vide este maravilhoso vídeo da Amy Schumer (que descobri na news da Dra. Jen Gunter, The Vajenda), em que três amigas (nada menos que Tina Fey, Julia Louis-Dreyfus, and Patricia Arquette) comemoram o “último fuckable day” de Julia, ou seja, o último dia em que ela será considerada uma mulher digna de ser desejada:
Isso geralmente vem acompanhado de um sentimento ruim. Eu chorei no consultório da ginecologista quando ela disse que provavelmente a irregularidade do meu ciclo era o primeiro sintoma do climatério. Foi como uma sentença de morte para o meu desejo.
Tem mulheres que de fato lamentam a perda do tesão que pode vir com a menopausa. Para as que sofrem com isso, reposição hormonal ajuda (considerando que esta seja a única causa da perda da libido, o que sabemos que raramente é; o desejo feminino é complexo). Porém existem algumas mulheres que celebram e até comemoram a despedida do desejo sexual: as hetero-relutantes.
"Minhas amigas reclamam de ter perdido o tesão na menopausa" — disse um dia minha amiga Cibele. "Pois eu achei ótimo! Finalmente estou livre da necessidade de ter um homem".
Me veio na boca o retro-gosto dos pães amassados pelos diabos que eu tive que engolir quando fiquei solteira aos 47 anos.
Uma vez minha amiga Larissa brigou comigo pois sentiu que eu estava acusando as casadas de aguentarem coisas demais de seus maridos. Eu estaria criticando a escolha dela de estar em um relacionamento com um homem. Enquanto o que eu estava dizendo era que toda a mulher heterossexual que quer ter uma família, ou quer ter um companheiro, ou quer dar uma namoradinha, ou apenas quer transar — todas nós estamos submetidas, em algum grau, de alguma maneira, ao, digamos, "devir masculino". Nem todo homem, mas SEMPRE a masculinidade. Sim, tem homens que se dão conta e procuram desmanchar a estrutura na qual foram criados. Porém todos, inclusive esses, nasceram e viraram gente dentro desta estrutura e performam a masculinidade. Vem de fábrica.
Por estarmos sujeitas (pelo desejo, DNA, biologia, socialização, amor romântico, o que for), acabamos protegendo, maternando, passando pano, defendendo, e, principalmente, fazendo muita vista grossa (a mulher que quer se relacionar não pode enxergar bem. Especialmente se ela vive na mesma casa com um homem que acha que “ajuda” nas tarefas domésticas). Existem os casos extremos — como Alice Munro que acobertou o marido abusador — mas todas nós que temos algum interesse em homens acabamos tendo que fazer alguma dessas coisas em algum momento da vida.
Até que veio a menopausa e me peguei pensando, com cada vez mais frequência:
A troco de quê? Por que razão estou fazendo isso?
É com surpresa, alívio e alegria que estou me dando conta de que… não mais. Não quero mais, não preciso mais, não tenho mais vontade; não vou, gente. Vão vocês, se quiserem. Eu não vou mais.
Quais serão as consequências deste novo — digamos — posicionamento nas minhas interações com homens, veremos; temos um longo e frio inverno pela frente no sul do país. Mas eu costumava ver minha mãe e minhas tias — que tiveram casamentos, filhos, divórcios, namoros etc, e hoje estão solteiras — e sentir uma espécie de desolação. Uma mulher tão massa, sozinha. Oh que dó. (aliás, o quão inadequado é rotular de “sozinha” uma mulher que não está em um relacionamento afetivo-sexual). Não posso ter certeza do tamanho da falta que sentem; pelo que já conversei com minha mãe, sei que alguma falta sentem. Pois sempre vai ter uma ausência, é assim que opera o desejo, e toda escolha pressupõe bancar alguma renúncia — mas hoje eu olho pra elas e enxergo muito mais do que a falta. É como se agora eu estivesse começando a vislumbrar o segredo que se esconde dentro do final da vida re/produtiva de uma mulher.
A vida não é útil, disse o Krenak. Bem, do ponto de vista biológico e social, essa mulher aqui também não é mais.
Los parroquiales. Eu agora trabalho com um time bilingue no qual todas são fluentes em portunhol. Daí tem essa palavra, parroquiales, vem de paróquia, os assuntinhos paroquiais. Acho esquisito, pois óbvio, me lembra igreja (hay iglesia, soy contra), mas sentei aqui pra escrever essas notas e pensei, los parroquiales.
Perguntei pro chat gpt qual é a maneira correta de escrever hetero-relutante e ele disse: A maneira correta é "heterorrelutante", pois segue a regra do Novo Acordo Ortográfico que recomenda a junção de prefixos, como "hetero-", diretamente à palavra sem o uso de hífen, a menos que a segunda parte comece com "h", "r" ou "s", o que não é o caso aqui.
Como assim não é o caso aqui, amigo? Relutante começa com que letra, então? Ao que ele respondeu: Você tem razão! Quando o prefixo termina com uma vogal e a palavra seguinte começa com "r", o correto é usar o hífen. Portanto, a maneira correta de escrever seria "hetero-relutante". A regra diz que, nesses casos, o hífen deve ser mantido para evitar a duplicação da letra "r".Eu queria contar pra meia dúzia que me lê o que anda acontecendo. É que eu sinto saudade de escrever post de blog. Falando da vida sem pretensão. Como eu fazia no Glamdreams. Aham, eu era meio glam meio pinup em certa época. Tinha também o Typewriter, onde eu escrevia sobre trabalho. E antes ainda teve um Live Journal, que se fuçar deve estar lá em algum lugar. Talvez no mesmo lugar pra onde vão as coisas que passam, como os pequineses e as samambaias.
Faz tanto tempo que não escrevo uma news, né. Minhas news no final são meio posts de blog.
Minha vida mudou tanto, mas taaaanto desde a última edição. Pivotou, como dizem. E pivotou de novo.
Mas sabe o quê? Não tô a fim de contar da minha vida, na real. Deixa assim. Nós mulheres que se expõem demais e depois se arrependem.
Mas fuçando o blog antigo eu achei isso aqui e achei bonito:
Friday, August 22, 2008o futuro é vortex
É tão, mas tããão ridículo ter saudade de um futuro cheio de HQs que não desenhamos, camisetas que não fizemos, almoços com uma família que não vai existir, jantares para os amigos que nunca vamos fazer, projetos de livros que nunca serão escritos, shows de rock aos quais nunca iremos juntos, estudios de design dos quais jamais seremos sócios, praias e lugares que não receberão nossa visita em um fim de semana ou fim de ano qualquer, abraços e beijos que nunca serão trocados, palavras que não serão ditas — como vários babs que ficarão em suspenso, flutuando, talvez no mesmo lugar para onde vão as coisas que passam, como as samambaias e os pequineses.
Por último: já que falei de macho, não custa trazer aqui, de novo, esse texto — que é meio que a minha carta de apresentação, as minhas, digamos, credenciais quando alguém me acusa de “feminista demais”.
E só pra terminar: escrevi sobre menopausa pela primeira vez aqui, quando li All fours da Miranda July e amei tanto que não queria que acabasse então parei de ler lá pela metade e comecei de novo. Eu quero falar e ler mais sobre isso. Tem alguém aí escrevendo sobre como está sendo estar/entrar/se aproximar da menopausa?
Ale, me tocou a parte que vc escreveu que nós sempre passamos algum pano quando estamos em relacionamentos com homens. Verdade purinha. Algumas vezes é uma flanela, outras um lençol king size.
Sei que dá um frio na barriga essa exposição, mas eu adoro ler você e seus acontecimentos.
Essa parte de passar pano pra macho sinceramente me deixa tão triste! Porque é a mais pura verdade. É como se fosse um preço muito alto que estamos cientes e continuamos a pagar com juros e correção só pra não cair no status de “ah, tadinha, tá sozinha”. Eu não sei se aguento. “Ah, mas é assim mesmo”. Que conformismo do cacete.