"Tenho preferido ogros"
Quando se deixa o desejo solto, pode acontecer de acordar ao lado de um homem que saiu da caverna anteontem
Eu falei ali no texto anterior que a gente não escolhe de quem a gente vai gostar, que o desejo só obedece a sua lógica própria — que é completamente ilógica para o humano que o sente. Eu podia gostar do professor e seria perfeito, homem culto, inteligente, com quem dá pra falar de livros e política e arte, e ele ainda por cima é nadador de mar aberto (ou seja, junta alguns dos meus muitos requisitos). Mas não. Eu só gosto do que meu verniz civilizatório classifica como “tranqueira".
Não tô reclamando. Atualmente deixo meu desejo soltinho, curiosa pra ver onde ele vai me levar. Às vezes me eleva aos píncaros do prazer, em outras me joga na escuridão da buraqueira emocional — geralmente as duas coisas juntas.
Esses dias vi um moço na praia e fiquei mesmerizada. Um homem grande, todo tatuado, jeito de lutador, deve ter um pit bull em casa. Eu não.conseguia.parar.de.olhar. A maré foi subindo e ele e os amigos dele foram chegando mais perto de onde eu estava e começaram a se preparar para ir embora e meu instinto gritou “é agora ou nunca, VAI LÁ ALESSANDRA, fala com esse macho” e eu fui. E olha que nem tô mais na idade reprodutiva, não era a ovulação com seus trinados estridentes. Era sei lá o quê. Eu olhava praquele homem em estado bruto e via conforto. Me peguei fantasiando deitar a cabeça naquele peito enorme de homem que luta. Vai, homem, caçar o bisão pra janta. Vai, derrota o perigo que me ameaça. Vai, me agarra pelos cabelos, me joga na parede e me chama de [insira o nome da ancestral da lagartixa].
É aquela coisa: quando se deixa o desejo solto, pode acontecer de acordar ao lado de um homem que saiu da caverna anteontem. “Tenho preferido ogros", diz minha amiga culta, letrada, intelectualmente sofisticada. Não tô sozinha.
Eu tenho vários requisitos para um relacionamento, meu desejo ri de todos eles. Acho que ele está a serviço de camadas mais profundas da minha psique. Vai entender por que minha psique sonha com homens em estado bruto que não leem livros. Precisa entender? — minha analista vive me perguntando. E eu sempre chego à conclusão de que não. Inclusive, melhor nem. Só vai.
Atenção: chororô à frente
Eu tô indo, mas a frequência com que tô dando de cara na porta é assustadora. As pessoas tão com muita preguiça de se relacionar. Preferindo ficar no virtual. Flertando online, falando gracinha, trocando foto. É mais seguro, é mais fácil. É controlado. A gente obtém alguma satisfação disso e fica protelando os encontros reais. Ninguém quer sair de casa, muito menos de si. Eu mesma já me peguei morrreeeeendo de preguiça de ir pra um date. Porém para encontrar o outro é necessário sair de si: se abrir. Mas tá tão fácil passar pra próxima, a fila tá grande ali no app. Então não carece aprofundar.
Debato com a analista. Que nunca diz nada mas desta vez revela que esse é um incômodo geral (ou seja: há outros analisandos dela que estão relatando esse mesmo incômodo, e talvez analisandos das colegas dela — será que analistas debatem entre si os problemas dos analisandos? as tendências atuais em neuroses? rs) — ou seja, não é só eu que tô reclamando da imensa dificuldade que as pessoas estão tendo pra se relacionar. Ufa. Pelo menos o problema não é só comigo. Não sou eu a defeituosa. Será? Tenho três hipóteses, a primeira é que eu que sou defeituosa, sim: tenho azar no amor. A segunda é que TODOS os raios dos homens atualmente são assim (mas não seria possível, não é mesmo?). A terceira é que, por algum motivo, eu espelho gente assim pois isso também está dentro de mim. Ou seja, qual a minha responsabilidade no incômodo que eu denuncio? (ou algo do tipo).
Eu quero que alguém fique mais um pouco, digo pra ela (se analisar essa frase através da terceira hipótese do parágrafo anterior, que óbvio: eu sou a que menos fica). Não suporto a superficialidade. Sexo casual só me deixa com mais fome. Me custa entender como uma pessoa se contenta com uma trepada e deu. Era só isso que a pessoa queria? Mesmo? Tem tanto mais.
Pra esses eu dedico um poeminha muito maravilhoso de Simone Brantes:
E concluo (me desculpando antecipadamente pelo clichê, mas fazer o que): azar mesmo é gostar de macho.
Quero voltar a escrever mas tô mais calada que o normal. Perdi o traquejo da escrita nestes meses de descanso do ofício depois que conclui a dissertação. Mas não é só isso. Eu também ando pensando duas, três, dez vezes antes de clicar no botão de postar qualquer coisa. Este texto acima tava pronto faz semanas. E eu pensando “ai, que chato, reclamação de homi, tem mais nada pra falar, Alessandra?". Até tenho, tá pronto já, mas é um assunto mais espinhoso e daí eu penso “mas será que preciso omitir minha opinião sobre isso?”. E aí eu não. Preciso achar minha escrita de novo. Enquanto isso vou apertar o botão de postar esse aproveitando que pouquíssima gente tá vendo (pra esses, meu agradecimento. espero que gostem um pouco).
queena, que delícia foi encontrar sua newsletter e voltar a te ler. perdeu a mão nada, não pare. e sobre ogros, ando me segurando pra não dar pra um assim, mas só até pararmos de fazer um trabalho juntos. depois, ele que se cuide!
Ri muito com este texto - e me identifiquei um monte! Não com a parte da disponibilidade alheia, porque sei que a indisponível sou eu (após muuuita análise sobre o tema na terapia hahaha), mas porque ó céus como entender o desejo? Uma amiga minha dizia que eu gostava de caras com aparência de "homem das cavernas mas fofos", foi o meu padrão por alguns anos. Feliz de encontrar tua news hoje <3